quinta-feira, 22 de outubro de 2009

por Belizário

Sentiu os pés gelados, tentou puxar um cobertor... reação às memórias do que um dia foi uma vida a dois...a três...a quatro. Numa casa modesta, onde mesmo que o vento frio passasse pelas brechas entre madeiras, podia se aquecer com os outros corpos deitados ao seu lado... sua mulher, seu filho, sua sobrinha que havia perdido os pais e que ali ficara persistindo na vida. Agora restava o papelão. Não reclamava, buscava estratégias no dia pra buscar um melhor lugar pra dormir, algo pra se cobrir. Naquele dia só restara o papelão. Quando ainda era dia, o havia virado do avesso e tinha escrito: poesia... do que um dia foi sua vida. Desabafos virados do avesso, pois ele sabia... ninguém que passava por ali, mesmo aqueles que o olhavam de canto de olhos e mostravam piedade ou indignação, ninguém! Nenhum deles o ouvia! Numa noite acordara com o céu em chamas, lembra apenas de grunhidos abafados... a mulher...a sobrinha...o filho...a loucura...a rua...ideal de trabalho, ideal de família, tudo isso ele conhecia, mas não fazia mais sentido, escolhera abrir mão...cavalgar a própria vida. Mais uma manhã em Porto Alegre, dos navegantes tristes das ruas... gente que ainda persiste, que ainda sonha...e no avesso, ainda escreve poesia...

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