quinta-feira, 22 de outubro de 2009

por Belizário

Sentiu os pés gelados, tentou puxar um cobertor... reação às memórias do que um dia foi uma vida a dois...a três...a quatro. Numa casa modesta, onde mesmo que o vento frio passasse pelas brechas entre madeiras, podia se aquecer com os outros corpos deitados ao seu lado... sua mulher, seu filho, sua sobrinha que havia perdido os pais e que ali ficara persistindo na vida. Agora restava o papelão. Não reclamava, buscava estratégias no dia pra buscar um melhor lugar pra dormir, algo pra se cobrir. Naquele dia só restara o papelão. Quando ainda era dia, o havia virado do avesso e tinha escrito: poesia... do que um dia foi sua vida. Desabafos virados do avesso, pois ele sabia... ninguém que passava por ali, mesmo aqueles que o olhavam de canto de olhos e mostravam piedade ou indignação, ninguém! Nenhum deles o ouvia! Numa noite acordara com o céu em chamas, lembra apenas de grunhidos abafados... a mulher...a sobrinha...o filho...a loucura...a rua...ideal de trabalho, ideal de família, tudo isso ele conhecia, mas não fazia mais sentido, escolhera abrir mão...cavalgar a própria vida. Mais uma manhã em Porto Alegre, dos navegantes tristes das ruas... gente que ainda persiste, que ainda sonha...e no avesso, ainda escreve poesia...

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Curiosidade revigora!

Num ímpeto de curiosidade, foi atrás de coisas que não devia. A busca por um deslize, uma farpa, um crime sem castigo era o seu maior objetivo naquele dia. Não que se surpreendesse caso encontrasse algum vestígio de infidelidade, mesmo porque as regras eram outras naquele momento. Mas e antes dessas regras mudarem? Qualquer vestígio deveria incomodar? Mesmo sendo um “crime” anunciado? Mas incomodaram não por terem acontecido, mas pela maneira como tudo se desenrolou. E perdeu o brilho nos olhos e as marcas de felicidade no rosto. Tudo isso se tornou morno e escuro. Começaram a surgir olheiras de noites sem dormir, uma corcunda enorme nas costas e os cabelos rebeldes mais pareciam ninhos abandonados. A vida tinha se tornado algo insosso, sem cor e sem aventura. Numa manhã qualquer levantou da cama e tudo estava certo dentro de seu coração. Iria em busca de aventura, pincéis e tintas e de uma boa lanchonete. A aventura encontrou na casa ao lado, de olhos azuis, cabelos longos e um belo braço. Os pincéis e as tintas foram incessantemente usados para colorir as paredes da casa em tons mais fortes que as flores de um ipê amarelo. E na lanchonete, sentou e pediu um X-frango-egg-salada e um refrigerante médio. A vida tinha mudado desde aquele dia de pura curiosidade. E passou a entender que para mudar seu destino era necessário um tempo de recolhimento, mesmo que fosse um tempo de dor. E que isso não era ruim, pelo contrário, se tornara um momento só seu, decidindo todos os passos que daria dali por diante. E a partir de então passou a freqüentar lugares que descobrira andando sem rumo.

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

por Dibrisa

No começo era uma, depois duas, três, hoje quatro.
Sendo uma sinto quatro, estando em quatro sou uma,
completamente uma espalhada em quatro.
Hard, leve, easy e intensa.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Desde que disseram que suas mãos cresciam e se tornavam ásperas parou com as simulações e tentou esquecer as delícias e os prazeres que elas lhe davam. Disse sua mãe que tudo era conseqüência do que fazia escondido, ou ao menos, achava que era escondido, mas todos percebiam por conta do tamanho e aspereza de suas mãos. Preocupada e assustada, nunca mais conseguiu se tocar, em hipótese alguma e em parte alguma do corpo. Evitava o espelho, pois da última vez que se vira refletida nele, assustou-se com os olhos pouco brilhosos, a pele ressecada, os cabelos arrepiados e sem corte, a palidez de sua pele... A vida não tinha mais a sensação de leveza que as mãos lhe davam ao suar o peso do mundo.

Num dia qualquer, acordou leve e ao se dar conta, percebeu suas mãos no lugar proibido. Voou pro banho, esfregou, esfregou, correu pra igreja, se benzeu, confessou, chorou, clamou, mas tudo em vão. Questionou o padre acerca do pecado e ele lhe explicou de várias formas, mas e o que ela pensava, e o que ela queria? Não contava para ser salva do fogo do inferno? Saiu da igreja caminhando, pensativa e triste... Quando olhou para o alto viu nas nuvens uma mão imensa e cheia de calos. Observando o desenho, concluiu, por conta própria, que aquilo era uma mensagem divina... pois as mãos, além de serem santas, e estarem desenhadas no céu, não poderiam ser castigadas! Correu para casa e se satisfez! Brincou, brincou, brincou e saiu feliz e cantarolando mundo afora!
Ela tinha uma vontade enorme de saber o fundamento das coisas. Mas ela sempre soube que isso era bem improvável de se descobrir... E insistentemente ela foi ao fundo de algumas questões que nunca saíram de sua mente e coração. E ainda assim ficou sem explicação. Deve ser porque o fundo não existe. Quando mais se pensa estar no fundo, no ápice de seu entendimento, se descobre que ainda tem muita coisa para ser descoberta. E ao invés de instigá-la... isto a deixou muito cansada. E depois de tanto procurar em livros, pessoas, internet... resolveu dormir e buscar em seus sonhos.

"Ultimamente tenho tido sonhos brancos. Tudo é branco: as pessoas, as paredes, os carros, o céu. Mas não um branco de paz ou um branco de tranqüilidade. É um branco perturbador porque é tudo branco quando sei que as cores existem. E apenas meus olhos não conseguem enxergar. Então, começo a procurar por tintas e ninguém me entende porque eles conseguem ver tudo colorido. Chega um momento em que aparece uma pessoa que nunca tinha visto antes. E ela sim, me entrega as tintas e passamos a ser coloridos. E surgem todos os seres mais coloridos do universo: borboletas, estrelas, anéis de Saturno, peixes, pássaros, libélulas, florestas tropicais. E a gente toca um o rosto do outro e tudo começa a brilhar como se as cores se tornassem repletas de purpurina dourada, com cheiro de flores e alecrim. E esse aroma passa a entrar em nossas narinas lavando todo o nosso interior, como se nos purificássemos da sujeira do mundo. E de repente, só nos existimos coloridos."